Escrever uma história da caça aos homens é escrever um fragmento de uma longa história de violência por parte dos dominantes. É também escrever a história das tecnologias de predação indispensáveis para o estabelecimento e a reprodução das relações de dominação.
Em “As caças ao homem”, Grégoire Chamayou diz que a caçada humana não deve ser entendida como uma metáfora. Refere-se a fenômenos históricos concretos em que seres humanos foram rastreados, capturados ou mortos de acordo com as formas da caça; essas eram práticas regulares e, às vezes, em grande escala, cujas formas foram teorizadas pela primeira vez na Grécia antiga, muito antes de sua enorme expansão no período moderno, em conjunto com o desenvolvimento do capitalismo transatlântico.
Essa obra inspirou Pol Taburet a pensar sobre a humanidade sob o prisma da caça. Ao negativar o conceito, Pol adentra outro meio submerso que permeia nossa história.
A obra de Pol é desconcertante. Uma luz uniforme banha o espaço, como num espaço liminar – um lugar que você não sabe exatamente onde é, com um estranho sentimento de desolação e solidão. Esses espaços ficaram muito famosos em círculos da internet nos últimos anos.
Em Someone’s Child [Cria de alguém] (2025), Pol Taburet apresenta uma instalação composta por esculturas em bronze com trompetes acoplados à boca chamadas Lungs [Pulmões], uma escultura em bronze em formato de rosto chamada Guts [Entranhas] e por uma peça central em terra e poliestireno chamada Belly [Barriga]. Reunidas em uma sala concebida como um pântano, com chão de terra e atmosfera imersiva, essas obras compõem um cenário que sugere uma paisagem natural, densa e em constante transformação.
A escultura em terra e poliestireno, posicionada como elemento central, estabelece um diálogo direto com esse ambiente movediço, remetendo ao aspecto orgânico e irregular do terreno ao seu redor. Já as esculturas em bronze, distribuídas no chão do espaço expositivo e também fixadas nas paredes, reforçam a ideia de um conjunto heterogêneo, no qual diferentes formas de existência convivem e partilham o mesmo ambiente. As figuras se apresentam como híbridos em mutação, entre humano, animal e espírito. Os volumes escuros, alguns brilhantes, outros opacos, evocam presenças que oscilam entre uma dimensão fantasmagórica e a materialidade do corpo.
No centro, duas figuras que parecem usar chapéus contam um segredo entre elas. Elas parecem estar sendo observadas pelas demais esculturas.
Mais do que representar mitologias ou narrativas específicas, Taburet constrói uma cena suspensa, na qual matéria e símbolo se entrelaçam. O visitante é convidado a atravessar esse espaço instável, onírico e indeterminado, entre sensações de familiaridade e estranhamento.