Na instalação comissionada de Mansour Ciss Kanakassy, artista senegalês radicado em Berlim, você se encontra em um ambiente bastante diferente dos demais desta Bienal: uma agência bancária.
A obra Gondwana la fabrique du futur [Gondwana, a fábrica do futuro] (2025) ocupa uma sala de 6,50 por 6,20 metros. À esquerda, há um mapa-múndi plotado na parede, um caixa eletrônico, um mapa da África à frente, um desenho em estilo clip art e um mapa do Brasil com suas diferentes regiões destacadas. Também à esquerda, projeta-se a imagem de um elevador.
O espaço se organiza como uma agência bancária ficcional. À frente, um balcão de atendimento de cerca de dois metros de comprimento recebe o visitante, identificado pelo emblema do Quilombo Bank. Logo atrás, um grande mural – com mais de seis metros de largura por dois metros e meio de altura – cobre toda a parede. Sobre um fundo claro, repetem-se padrões geométricos em vermelho e preto, compostos por linhas paralelas, zigue-zagues e formas losangulares, inspirados em matrizes gráficas pan-africanas. Essa trama visual serve de base para uma cartografia que conecta África, Brasil e outras regiões da diáspora, reforçando o caráter transcontinental do projeto.
Acima do mural, cinco relógios de parede alinhados evocam o ambiente de agências financeiras internacionais, cada um marcando diferentes fusos horários e remetendo à ideia de circulação global. À direita, um caixa eletrônico metálico, identificado como Quilombo Express, completa a cenografia, aproximando a instalação da experiência cotidiana de um banco.
Dentro do espaço, circulam notas de uma moeda imaginária – o Afroquilombo – que traz rostos quilombolas estampados. Os visitantes podem adquiri-las no Quilombo Bank. Como escreve Billy Fowo no catálogo desta Bienal:
“Para além do seu simbolismo, este gesto é político, pois alude a uma moeda futurista, independente e livre dos mercados globais de câmbio internacional, normalmente determinados por especulações de demanda e oferta e regulados por fatores econômicos como inflação, taxas de juros e eventos sociopolíticos.”
Coincidentemente, no mesmo período desta Bienal, o Brasil enfrenta duras tarifas externas, ao mesmo tempo em que busca a despolarização da economia por meio de uma moeda comum entre os BRICS.
O título do projeto remete ao supercontinente Gondwana, que reunia a maior parte das terras que hoje compõem os continentes do hemisfério sul, além da Índia no hemisfério norte. Sua fragmentação se deu, entre outros, com a separação da América do Sul da Antártida (formando a Passagem de Drake) e da Antártida da Austrália. Assim, a ideia de união entre povos colonizados se sobrepõe ao conceito estritamente econômico.
Mansour também nos recorda da experiência entediante ou absurda da vida sob o sistema capitalista – como a tediosa tarefa de ir ao banco – e de como, mesmo em espaços institucionalizados, é possível encontrar brechas para a liberdade e a criação de novos mundos.
Sua prática se vincula a um projeto de longo prazo, o Laboratório de Desberlinização, criado em 2001 pelo artista em referência à primeira Conferência de Berlim (1884–1885), quando governantes europeus redesenharam as fronteiras do continente africano, ignorando os interesses das populações locais e instaurando novas formas de violência colonial. Nesse contexto, Ciss produziu a moeda-obra Afro (2001), concebida como protótipo de uma moeda pan-africana em resposta à divisão colonial. Essa proposta ganha nova vida nesta Bienal com o Afroquilombo.