O desejo de fuga nasce justamente da imaginação que permite visualizar outras realidades possíveis. Manauara Clandestina, ao sair de Manaus e mudar-se para São Paulo, percebeu a potência da migração como porta para um novo mundo. O estado de espírito de estar em constante deslocamento, seja ele espacial como corporal, informa a obra de Manauara.
A visão de um futuro brilhante, pleno, também está presente na sua obra. No vídeo apresentado nesta Bienal, travestis trabalham num escritório do futuro, preparando-se para o desfile que culmina na abertura da Bienal.
Manauara trabalha também com o upcycling, o reúso de peças de roupa que podem se transformar em outra coisa. Esse estado de transformação da matéria pode ser pensado como metáfora para a transformação do corpo e da humanidade: como podemos melhor usar nossos recursos antes que acabem?
O espaço da artista possui uma base triangular com uma superfície reflexiva. Duas das superfícies do triângulo possuem fotos em polaroid de algumas séries da artista e digitais. Elas acompanham pessoas trans ao longo dos anos.
Na terceira superfície, uma TV exibe o filme Transclandestina 3020 (2025). O espaço expositivo é transformado em passarela, refúgio e abrigo. Estruturas de madeira sustentam looks produzidos pela artista em colaboração com diferentes parcerias criativas, confeccionados a partir de roupas reaproveitadas em técnicas de upcycling. Tecidos sobrepostos, costuras visíveis e combinações improváveis de diferentes texturas e cores dão origem a indumentárias que mesclam moda, performance e ritual, cada peça funcionando como vestígio de uma travessia.
A instalação é acompanhada por um vídeo que documenta todo o processo de criação da obra, marcado por experimentações, encontros, diálogos e o cotidiano de uma residência artística, até o desfile inaugural realizado na abertura da Bienal. Essa narrativa audiovisual expande a experiência do público visitante, revelando a dimensão comunitária do projeto, o intercâmbio de saberes e sua ênfase na solidariedade como forma de invenção.
O conjunto apresenta-se como um pós-desfile suspenso no tempo e no espaço: roupas e imagens permanecem como corpos presentes e dissidentes, atuando como extensões vivas que guardam e atualizam memórias de travessias, alianças e processos de transição.
Há também esculturas, fotos e as roupas estão suspensas por fios de andaime laranjas com ganchos. Entre performance, moda e instalação, a obra projeta futuros forjados na precariedade transformada em potência política e estética.