Chegamos à primeira obra da exposição de Madame Zo. Você encontrará outras obras dela mais adiante, no terceiro pavimento, um conjunto maior de trabalhos.
Zoarinivo Razakatrimo, conhecida como Madame Zo, nasceu em Antananarivo, capital de Madagascar, em 1960, e faleceu em 2020 em decorrência da Covid-19. Ela desenvolveu uma técnica única de tecelagem, unindo materiais pouco convencionais à tradição malgaxe do lamba – tecido de seda bruta ou algodão. Muitas vezes, a artista construía seus próprios teares, que permitiam incorporar elementos inusitados: madeira, especiarias, vagens de feijão, plantas medicinais, ossos, fitas magnéticas, fones de ouvido, fios de cobre, metais diversos e uma infinidade de outros objetos. Ao tecer, nada parecia conter seu ímpeto criativo.
As obras espalhadas por diferentes pontos do pavilhão configuram campos de intensidade, nos quais tramas e materiais variados se alternam em escala, densidade e luminosidade. Algumas composições surgem como superfícies contidas e compactas, enquanto outras alcançam proporções monumentais, expandindo-se em grandes extensões e deixando a luz atravessar seus fios. O visitante percebe contrastes entre opacidade e brilho, entre minúcias tecidas de forma cerrada e formatos amplos, criando um ritmo irregular e dinâmico dentro do mesmo território compartilhado.
Entre elas, Sem título (2016) combina fios pretos e de cobre avermelhado que se ondulam suavemente, deixando transparecer a luz e evocando uma vibração delicada, em uma superfície de 2,60 m de largura por 1,85 m de altura. Já em Le bateau [O barco] (2018), longas tiras de película de 16 mm, em tons escuros e translúcidos, se entrelaçam ao algodão cru e ao fio preto, criando fortes contrastes entre áreas iluminadas e sombreadas que percorrem a superfície de 2,10 m de altura por 1,10 m de largura. Em Sem título 3 (2019), jornais entrelaçados em linhas contínuas se expandem em uma peça de grande escala – 4,36 m de largura por 65 cm de altura –, condensando fragmentos impressos e memórias em uma superfície contínua.
Essas obras não formam uma narrativa linear, mas composições abertas que convidam o olhar e o corpo a atravessá-las, em diálogo com a arquitetura e com o conjunto da Bienal. Sua produção cria passagens e espaços transitórios entre diferentes estados: entre aqui e outro lugar. A noção de aina – o sopro de vida presente no bicho-da-seda, segundo a tradição malgaxe – anima essas criações, que escapam da figuração e da materialidade direta para abordar temas como natureza, relações sociopolíticas, totens, medicina, a busca do eu, a imagem, o cinema – sem, contudo, reduzi-los a rótulos.
Cada objeto parece ganhar vida própria. Alguns, com suas fitas cassete, sugerem histórias registradas em fragmentos, como fotogramas suspensos no tempo da obra, nunca revelados. Seu trabalho aproxima-se da ideia de história contada, de uma oraliteratura ou de uma escrevivência – conceito formulado por Conceição Evaristo para designar a escrita que emerge da experiência vivida. A tradição tem papel fundamental em sua prática, e Madame Zo transmitiu seu conhecimento em tecelagem também ao filho.
Como escreve Billy Fowo no catálogo da 36ª Bienal: “O cobre, que aparece de modo predominante em seus trabalhos, pode ser lido como uma referência às tecnologias de comunicação, mas também à cura, devido à sua capacidade de conduzir energias – aquilo que Bonaventure Ndikung chamou de os aspectos ‘técnico-espirituais’ do cobre em um texto sobre as obras de Madame Zo.”