Trecho do ensaio de Coline Desportes, “Théodore Diouf, cinquante ans de création”. Dacar: OH Gallery, 2023.
Segundo a tradição oral e a cosmogonia Sereer, o mundo surgiu de um ser supremo chamado Roog (ou Koox nas línguas Cangin), e sua criação está intrinsecamente ligada ao pântano onde cresceram as primeiras árvores. Símbolos de crescimento e fertilidade, as árvores para os Sereer (e diversas outras comunidades) são consideradas entidades vivas, iguais aos seres humanos, e nossa conexão com elas, e por extensão com a natureza, desempenha um papel fundamental na compreensão do que nos torna humanos.
Com uma prática profundamente marcada pela observação atenta da natureza, o artista visual senegalês Théodore Diouf construiu uma obra extensa que evoca nossa relação com o mundo natural. Passando por diversas escolas técnicas e artísticas, incluindo a École des Arts de Dakar no início dos anos 1970, Diouf desenvolveu habilidades em disciplinas como escultura e pintura, consolidando as bases de sua jornada artística. Como ele mesmo relembra em uma entrevista, tudo começou em Bambilor (cidade situada a cerca de 30km da capital Dacar), onde ainda estudante corria para a floresta todas as manhãs, registrando meticulosamente em seu caderno as formas que encontrava em suas caminhadas solitárias.1 Animadas ou inertes, essas formas foram se transformando ao longo do tempo em uma linguagem visual abstrata e poética, espelhando seu entorno imediato e suas raízes.
Realizadas principalmente em tela e papel, com tinta e pastel, as obras de Diouf capturam a beleza vívida e a essência da flora senegalesa. Símbolos como o da serpente, representação dos pangool (santos e espíritos ancestrais), reaparecem em algumas de suas pinturas, reforçando suas raízes nas cosmogonias africanas, em especial na tradição Sereer. Consciente dos estereótipos que cercam as artes africanas, tanto no passado quanto no presente, Diouf constrói uma obra que articula, com dinamismo, herança e inovação. Os motivos, simbolismos e técnicas tradicionais presentes na confecção de máscaras, esculturas e têxteis são reinterpretados e fundidos a uma estética modernista, à abstração e a narrativas políticas, criando um diálogo entre passado e presente.