Minha jornada em direção à libertação começou ao seguir os rastros da música sufi – o som como memória, o som como liberdade. Fui atraída por essa música como um arquivo vivo, uma força que transcende fronteiras, na qual o tempo se dissolve e a comunidade se torna o único compasso. No início, concentrei-me em mapear rotas fixas, linhas que ligavam a Cidade do Cabo à Ásia e de volta à África, traçando o oceano Índico como um caminho de retorno. Acreditava que, ao reconstruir essas rotas históricas, poderíamos reunir o que o colonialismo havia separado.
Mas após cinco anos de escuta profunda e viagens para estar com diversos grupos sufis pela Ásia e África, comecei a ouvir de outro modo. Percebi que essa música não está presa ao tempo linear. Talvez eu estivesse escutando do lugar errado o tempo todo. E se esse som, esse ato de libertação, não vier do passado, mas do futuro? E se ele for uma tecnologia futura, chamando-nos para a frente, e não para trás?
Colocamos um peso imenso sobre o passado para nos libertar, pedindo que nossos ancestrais nos carreguem, sem jamais permitir que descansem. Mas e se as próprias tecnologias que os guiaram não eram do passado, mas daquilo que ainda está por vir?
Essa mudança redefiniu tudo para mim. Num mundo que frequentemente desafia a razão, precisamos permitir-nos pensar de forma radical, até mesmo irracional. A verdadeira libertação exige que reimaginemos nossa relação com o sagrado, com o que sobrevive e persiste além da violência e da opressão.
Para mim, essa é a essência da libertação sonora. A palavra “dhikr” significa “lembrança”. Meu filme pergunta: o que estamos sendo chamados a recordar? Em sua repetição e ressonância, há não apenas memória, mas um futuro à espera de ser ouvido. Imagino a história do dhikr como uma tecnologia de libertação enviada do porvir. Nossos filhos são os verdadeiros guardiões do tempo. Eles não esperam que os alcancemos; já estão nos observando a partir do que está adiante. Neles, nós já existimos, e eles carregam a memória do que nos tornaremos.
Nossos filhos já viram este mundo. Conhecem suas fraturas, sua violência, sua beleza e seus fantasmas. Porque já passaram por ele, enviam-nos o que precisamos para sobreviver: a lembrança.
Isso, acredito, é o dhikr.
Não é apenas um canto ou repetição. É uma frequência que desbloqueia. Um ritmo que desmonta o medo. Uma vibração que nos lembra quem somos quando nos despimos de tudo o que nos foi imposto.
Estou tentando imaginar como o dhikr se manifesta. Será que se parece com nossos filhos (aqueles que ainda não conhecemos) nos guiando de volta ao ser?
Dhikr não é história. É profecia. Não é um retorno. É uma chegada. Não pede que façamos sentido, pede que sintamos. Que nos entreguemos a um ritmo que vem de além do tempo linear. Estou me lembrando constantemente que a libertação não é algo que herdamos. É algo que somos chamados a recordar. E, ao recordar, tornamo-nos livres.