O Sertão Negro é uma proposição estética e política, uma iniciativa que tensiona fronteiras – entre arte e vida, entre comunidade, autonomia e organização coletiva, pertencimento e deslocamento. Fundado por Ceiça Ferreira e Dalton Paula, o projeto se inscreve como um território de criação que respeita a individualidade dentro de uma atuação conjunta, na qual a arte não se restringe à produção de objetos, mas se desdobra em um modo de habitar o mundo.
Sediado em Goiânia, o Sertão Negro abriga um ateliê, residências para artistas nacionais e internacionais, cineclube, grupo de capoeira, cozinha ativa, hortas, jardins e viveiros que não são apenas metáforas de resistência, mas instrumentos concretos de busca por soberania e autodeterminação, evocando práticas quilombolas e de resistências indígenas, de antes e de agora. Ali, cultivo e criação se entrelaçam, tornando as noções de cuidado e continuidade em mais que palavras: o que se planta no Sertão é um modo de fazer e de pensar que transborda para além de seus muros.
Formado por cerca de trinta pessoas – incluindo artistas residentes, pesquisadores, cozinheiras, educadoras, curadores e integrantes do Sertão Verde, núcleo voltado à agroecologia e à soberania alimentar –, o grupo promove debates e trocas de experiências em meio a um modelo alternativo de intercâmbio, em que os processos, sempre múltiplos, importam tanto quanto a produção artística em si. A base do projeto está fincada nos quilombos e nos terreiros – espaços de resistência e conhecimento –, bem como nas técnicas ancestrais de construção e nos saberes da terra.
Na 36a Bienal de São Paulo, o Sertão Negro se manifesta como espaço ativo e expandido. Em colaboração com a equipe de educação da Fundação Bienal, o grupo propôs uma programação pública com oficinas, ateliês abertos, cineclube e ações no Parque Ibirapuera. Dentro do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, o trabalho se organiza em torno de dois círculos de pedra, inspirados no espaço do Sertão Negro onde se tomam decisões coletivas. As pedras, emprestadas pelos Guarani do Jaraguá, representam um gesto que respeita a relação com o tempo da terra. Duas paredes compõem o espaço: uma apresenta a história do projeto por meio de fotos e documentos; a outra projeta as atividades e processos em curso. Há também um balcão de taipa, construído com saberes ancestrais, onde acontecem oficinas de botânica e práticas de cozinha. Essas ações são ferramentas para imaginar e construir outras formas de estar no mundo, num campo de experimentação coletiva em que a arte se dá como processo em fluxo, em diálogo com múltiplas temporalidades e territórios.