A partir de esculturas e desenhos, Sérgio Soarez propõe uma cuidadosa investigação da complexidade ontológica iorubá e das religiões de matrizes africanas na Bahia. Sistemas linguísticos da África Ocidental, mais especificamente do golfo da Guiné, são somados à profusão do afro-barroco baiano produzido durante o período colonial, desde suas volutas e espirais ornamentais à intensa iconografia da diáspora africana, muitas vezes incorporada em intercâmbios culturais que não negam a violência dessas trocas.
Objetos recolhidos e ressignificados, muitos encontrados em ferros-velhos, feiras de antiguidade ou no passeio público, são seus focos de interesse. Através da assemblage, o artista faz com que objetos de ferro – chaves, facas, brocas, alicates, ferramentas ou armas enferrujadas – e de madeira – peanhas, rocalhas, tábuas simples ou adornos – coabitem, alinhando diferentes vidas, tempos e usos cujos vestígios estão marcados em seus corpos. Desse modo, Soarez nos instiga a enxergar esses pareamentos como a congregação de encontros análogos às miscigenações e aos sincretismos resultantes da diáspora africana.
A conexão da linguagem geométrica como referente de repertórios religiosos afro-brasileiros saúda oráculos, orixás, sistemas divinatórios – como o merindilogun – e armas espirituais. Ao citar o ofá, arma sagrada composta de um conjunto de arco e flecha usada por Oxóssi – também utilizado por alguns outros orixás e voduns Jeje-Maí de ímpeto caçador em meio à mata –, o artista também remete a valores imbuídos nesses instrumentos, como precisão, foco, sabedoria e estratégia.
A produção de Soarez possibilita traçar diálogos com expoentes e sucessores do afromodernismo brasileiro. A lógica da representação totêmica e simbólica dos orixás a partir de uma geometria sagrada relaciona-se com os legados de Rubem Valentim, Mestre Didi e José Adário dos Santos – com peculiaridades para o uso de guias com contas e o protagonismo da materialidade do ferro nos dois últimos, respectivamente. Aproximações também acontecem com as esculturas de Emanoel Araujo, sobretudo nos relevos predominantemente monocromáticos de madeira laqueada com cores vibrantes feitos por Soarez.