O tempo não se comporta de forma comedida na obra de Ruth Ige. Ele é suspenso, dobrado e acumulado. Nessa lógica de estuário, o tempo torna-se um meio de coexistência, um corpo ouvinte no qual convergem memória, mito e ser especulativo. Suas figuras, encapuzadas e sem rosto, não se oferecem ao reconhecimento. Elas permanecem contidas, míticas, suavemente monumentais. O que emerge não é um retrato, mas uma presença – uma forma de ser que detém seu próprio poder.
Ige aprofunda essa visão por meio do uso de materiais com ressonância cultural: pó de baobá, índigo, folhas secas nigerianas, argilas brasileiras, espirulina azul. Não se trata de adornos estéticos, mas de agentes de memória e conhecimento – conectando práticas culturais iorubás e igbos com a vida diaspórica no Brasil, em Aotearoa e em várias partes do mundo. Suas telas operam como estuários antropológicos, contendo heranças ecológicas, espirituais e ancestrais em seu próprio pigmento. As pinturas assumem uma qualidade lenta e sedimentar – como se fossem formadas ao longo do tempo, em vez de feitas de uma só vez. Seu engajamento com o cânone da história da arte não consiste em uma recusa, mas em uma reconfiguração. A prática do retrato, se permanece alguma, é remodelada por meio da abstração e da especulação imaginativa, oferecendo outras maneiras de conhecer e recordar.
Formalmente, as obras se estendem para além do chassi. Algumas pairam no ar, outras vão até o chão ou se desdobram em estruturas imersivas. Uma convida o espectador a caminhar pelas laterais de uma vasta tela, semelhantes a cortinas, entrando no que parece ser um portal do tempo. Cada decisão espacial brinca com a pintura como um lugar de criação de mundos, ecoando formas têxteis, transmissões imateriais e futuros imaginados. As obras não direcionam o espectador tanto quanto o envolvem – limiares suaves entre reinos, nos quais a orientação se afrouxa e o tempo linear se dissolve. O espectador se torna um visitante em um mundo já em movimento. O tempo, nesse espaço, é cíclico – uma força ativa que retém, lembra e transforma. Ancestrais, espíritos, mortais e seres futuros coexistem nos mundos pintados por Ige – não como sujeitos a serem vistos, mas como agentes de algo maior, mantido em movimento silencioso.