A obra de Noor Abed evidencia uma relação profunda entre corpo e memória. Em seus trabalhos, a dança e o canto são não apenas formas de expressão, mas dispositivos encenados para a transmissão de histórias coletivas. A interseção entre realidade e magia em sua abordagem cinematográfica permite que suas obras criem atmosferas carregadas de simbolismo, nas quais o tempo parece se desdobrar na infinita regeneração dos mitos.
No filme our songs were ready for all wars to come [nossas canções estavam prontas para todas as guerras do porvir] (2021), a artista compôs uma afirmação de vida e uma reinvenção de tradições, criando uma paisagem sonora e um desenho coreográfico intimamente atrelados ao contexto sociopolítico palestino. Optando pelo formato analógico do filme, Abed inaugura imagens partindo do documentário, mas com uma temporalidade específica em que o mágico e o imaginado atravessam a gestualidade ancestral performada, bem como as relações entre os indivíduos que dançam e cantam e que, de muitos modos, traduzem no cotidiano dos seus corpos as ideologias incorporadas.
Tal investigação dos gestos retorna em a night we held between [uma noite que tivemos entre] (2024), segundo filme apresentado. Nesse mergulho sonoro, o cântico é um lamento, uma pergunta e uma prece de afastamento da guerra. Das cavernas de onde os sons são captados, as imagens são imersas ao lado dos arquivos fotográficos e da repetição gestual da dança ainda mais sublinhada em torno do fogo e das mulheres. Essa investigação sonora ganha ainda mais centralidade na performance Nothing Will Remain Other Than the Thorn Lodged in the Throat of This World [Nada restará além do espinho alojado na garganta deste mundo] (2025), com Haig Aivazian, que também está presente na 36ª Bienal de São Paulo.
O uso de captações sonoras a partir do local em que a artista filma reforça uma dimensão sensorial da memória e da experiência coletiva. Ao situar as narrativas nas cavernas, entradas e buracos seculares, que também é sua paisagem natal, Abed como que encena as transformações dos rituais, reinventando formas de resistência, em que a permanência dos corpos no território se torna o ponto de convergência de luta e sobrevivência.