Guiada pelo corpus poético “Les Feux que vos derniers souffles ravivent” [As chamas que os seus últimos suspiros reacendem], a obra de Myriam Omar Awadi The Smell of Earth After Fire and the Promise of Breaths: For the Obsession With Resonance Spreading Tenderly Our Skin/ Our Bodies O/ From the Incandescent Warmth of the Ashes [O cheiro da terra após o fogo e a promessa de respiros: pela obsessão com a ressonância espalhando ternamente nossa pele / Nossos corpos O / Do calor incandescente das cinzas] invoca uma cartografia de respirações, tecidos e presença ancestral. Em seu centro estão vários shiromani, tecidos tradicionais de Comores obtidos nas memórias espirituais de Koko [avó].
Esses tecidos formam um terreno visual e sônico que oscila entre a ocultação e a revelação. Suspenso dentro de um arranjo de microfones e alto-falantes em forma de árvores – evocando as raízes emaranhadas dos manguezais –, o tecido pende dos galhos oscilantes dessas formas invisíveis. A instalação escultural e sônica evoca a epifania de uma floresta de mangue, com todas as esculturas feitas de madeira. Com base no Debe, uma tradição ritual das ilhas Comores liderada por mulheres, Omar Awadi invoca o bordado não apenas como adorno, mas como uma forma de pontuação – uma maneira de manter o que não pode ser dito. Cada shiromani se torna tanto um objeto ritual quanto um arquivo cultural, carregando a memória por meio de suas dobras, texturas e repetições. Eles retêm não apenas a ressonância pessoal, mas a gravidade do pertencimento coletivo.
Concebida em Comores, Mumbai e São Paulo, La Réunion [A reunião] (2025) se desenvolve por meio de redes de cuidados, estendidas pelos continentes, mas ancoradas na colaboração. Os bordados são produzidos em Mumbai em parceria com artesãos que confeccionam cada tecido com cuidadosa atenção. Em São Paulo, bases esculturais de madeira são fabricadas para servir tanto como âncoras quanto como arquitetura acústica. Cada elemento entra em diálogo com o trabalho minucioso desses artesãos, a luz e o som, moldados durante os ensaios com artistas – cada um deles emparelhado com um único shiromani. Esses artistas são guiados pela presença, não pelo espetáculo. Seus movimentos são mínimos, sintonizados com a textura, o peso e a respiração. As partituras são escritas não para o palco, mas para a relação – ensaiadas em repetição, luz e audição. A performance se torna um ato compartilhado de orientação e retorno, em que o significado se acumula lentamente por meio do contato e da proximidade.
Nesse trabalho, os shiromani funcionam como colaboradores ativos. Bordados e suspensos, cada tecido se torna tanto uma testemunha quanto uma partitura. Suas superfícies cintilantes captam e refletem a luz, evocando a vida e o invisível: olhos observando, memórias vibrando e a energia entrelaçada entre aqueles presentes e aqueles que estão além. O movimento é guiado pela sintonia e não pela coreografia, permitindo que cada artista crie um relacionamento com o espírito do tecido que lhe foi designado. Por meio desse processo, o ritual e a performance são alinhados. Os shiromani carregam as memórias da obra – assim como nossos corpos O, suas vozes, suas formas e seus próprios saberes.