Frase do artista para a série Cada voz (2021), projeto da Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: <youtu.be/7Q-da6pJC6A?si=r1lJegnrCmlivimk>. Acesso: 2025.
Moisés Patrício opera na encruzilhada. Como Exu, seu trabalho transita entre tempos, espaços e materialidades. O orixá, associado à comunicação e à linguagem, é quem rege o artista junto aos preceitos do candomblé, na vida e na arte. Patrício se apropria de linguagens consolidadas na arte contemporânea para propor uma reparação dialógica: ocupar o circuito tradicionalmente branco, trazendo a cosmovisão afro-brasileira para o centro da discussão. Ele define essa operação como seu “lugar exuístico de atuação”,1 um campo de deslocamento e ressignificação no qual o discurso hegemônico é tensionado pelo saber ancestral.
Na série Brasilidades (2020-2022), esse embate ganha a forma de esculturas híbridas, em que cubos de cimento, que remetem à lógica construtiva brutalista, engolem objetos cerâmicos litúrgicos do candomblé, como alguidares, quartinhas e vasos de barro. O cimento, material da arquitetura moderna e do planejamento urbano excludente, aprisiona e fossiliza os recipientes, que, em sua maioria feitos em torno, carregam em si a circularidade da forma e do tempo, da transmissão de saberes, da vida em roda. O encontro entre os opostos – o quadrado e o círculo, o duro e o maleável, o retilíneo e o curvilíneo – explicita o apagamento das marcas simbólicas das culturas afro-brasileiras na construção do imaginário do país.
Na metafísica, a impenetrabilidade é a qualidade da matéria pela qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Em Brasilidades, essa condição ganha uma dimensão política: os objetos incrustados no cimento falam da disputa por território, da violência da colonização e do apagamento dos signos da cultura negra no espaço público. O controle espacial, seja no urbanismo moderno, seja na organização do espaço na arte, é uma estratégia de dominação. Contra isso, Patrício afirma a permanência, o corpo que resiste e insiste em existir.
A obra do artista transforma o espaço tridimensional em território, em campo de questionamento, em que formas, materiais e significados se confrontam. Brasilidades não busca síntese ou harmonia, mas explicita as fraturas e contradições que moldam a identidade brasileira. Entre o círculo e o quadrado, entre a tradição ancestral afrodiaspórica e a imposição colonial, Moisés Patrício nos força a encarar a pergunta incômoda: o que é a brasilidade e quem tem o direito de defini-la?