Através de suas peças têxteis, Moffat Takadiwa tece vínculos estreitos entre a crítica ao consumismo e a desigualdade, por meio da coleta e organização de resíduos pós-industriais e das tradições culturais africanas – particularmente do Zimbábue, seu país de origem. A partir da reunião e classificação de fragmentos de produtos descartados de uso cotidiano, embalagens e fios de materiais diversos, Takadiwa cria objetos multicoloridos cujas formas por vezes evocam organelas celulares, fungos ou micro-organismos agigantados, e outras vezes sugerem, por sua beleza e exuberância no tratamento minucioso dos bordados sobre a trama, artefatos rituais, totens ou símbolos.
Em seu projeto concebido especialmente para a 36ª Bienal de São Paulo, Takadiwa amplia significativamente a escala de seu trabalho, recorrendo à força simbólica da arca de Noé para comentar os ciclos de destruição do mundo e o imperativo de sua reconstrução após o cataclisma. Se a arca foi, para Noé, abrigo e instrumento de preservação das espécies para a restauração e o repovoamento do mundo pós-dilúvio, a estrutura imersiva da obra, que envolve o público em uma manta têxtil revestida de resíduos plásticos e metálicos, apresenta-se como uma nave destinada ao transporte do sujeito para um futuro regido por um novo ciclo cósmico. Ao substituir o modelo da arca, destinado ao armazenamento, pelo modelo do portal, destinado à delimitação de espaços de funções diferentes, Takadiwa põe ênfase na ideia de atravessamento, de trânsito, de passagem. O som da mbira, instrumento musical de caráter idiofone composto por lamelas metálicas de tamanhos variados, difundido em diversos países da África Subsaariana, inspira a energia da transformação e os conhecimentos da natureza, necessários para a cura da terra arrasada pelos traumas coloniais (simbolizados pelos fragmentos de objetos descartados).
A obra é um convite a um exercício de reflexão sobre a inseparabilidade entre capitalismo, racismo e colapso ambiental, sobre os mecanismos de produção de desigualdade no contexto pós-independência dos países do Sul Global, em particular aqueles do continente africano, e sobre a ressignificação aspectual da matéria rejeitada (o lixo) em material estético (o objeto artístico). Na mesma medida, ela evidencia os desafios contemporâneos para o enfrentamento da crise climática e sugere, através da filosofia ubuntu, uma transição para o futuro baseada na sustentabilidade e no cuidado. Presente em diversas línguas bantu de origem nigero-congolesas, ubuntu consiste em um sistema de pensamentos e práticas que valorizam a redistribuição de recursos, a coletividade, a cooperação e a interdependência entre as pessoas.