Pode uma fotografia ser audível? Há na imagem fotográfica propriedades capazes de repercutir ondas sonoras? Toda fotografia tem uma trilha sonora? Se pensarmos na obra da fotógrafa Ming Smith, não teremos dúvida de que é possível e, além disso, aconselhável. A longeva produção dedicada à fotografia de rua, principalmente com imagens em preto e branco, faz de Smith um exemplo dos mais especiais do porquê o ato de pegar uma câmera fotográfica em busca do registro das coisas do mundo, dos sons do mundo, é acompanhado de um sentimento de imensurabilidade e, nesse sentido, também de justiça.
A relação de Ming com a música é múltipla. Evidentes são as imagens em que a fotógrafa nos apresenta a sua proximidade com a cena musical estadunidense, com personagens como Grace Jones, David Murray e James Brown, além de incontáveis concertos de blues e conjuntos de improvisação, incluindo também viagens para Berlim e Cairo. Mas, além de tema, a música é também condutora do próprio processo poético e se materializa na pouca luz de muitas das imagens, assim como no seu desfocado, no sincopado presente na nitidez da cena ou na falta dela em fotografias como aquelas que giram em torno da cena do jazz. Também nos efeitos causados pela trepidação e pelo movimento da fotógrafa em sua observação urbana, o que no fundo faz com que a fotografia e a música se façam presentes como manifestações da transparência e da invisibilidade.
Em Invisible Man [Homem invisível] (1988-1991), o interesse de Ming está na relação que esse título possui com o livro homônimo de Ralph Ellison, especialmente nos elementos que caracterizam a sua personagem, ou seja, a substância, a carne e osso, as fibras e a mente que, de hipervisíveis, invertem a sua presença em invisibilidade. Na série, os elementos sonoros e visuais descritos – o sincopado, o desfocado, a trepidação, a baixa exposição – alcançam o campo do literário, em que cenas da ordem do comunitário, do encontro noturno, da perambulação solitária compõem–se como canções de um álbum duplo, com suas faixas principais, assim como seus remixes e versões. No todo, a experiência afro-americana e negro-diaspórica em Ming Smith se dá, pois, pelo ritmo, pela batida e pelas vibrações da câmera fotográfica em cena, no culto, no show ou no cotidiano da rua.