Interessado nas múltiplas relações entre humanos e meio ambiente, Michele Ciacciofera investiga as reverberações dessas interações em sistemas mitológicos, históricos e culturais. Seu trabalho privilegia a experiência do sujeito observador, considerando as pluralidades inerentes a cada indivíduo e suas formas de interação com o universo.
O caráter ambientalista de sua prática é derivado das preocupações ecológicas desenvolvidas durante sua formação em ciência política e orienta seu interesse por técnicas construtivas tradicionais. Entre elas, destaca-se o Nurago (ou Nuraghe), uma tipologia arquitetônica megalítica característica da Sardenha, no sul da Itália, durante a Era Nurágica (1900-730 a.C.). O estudo aprofundado dessas tradições resulta em esculturas e instalações produzidas por Ciacciofera em colaboração com artistas locais. Em The Nest of the Eternal Present [O ninho do eterno presente] (2025), obra apresentada na 36ª Bienal de São Paulo, Ciacciofera emprega a técnica do pau a pique, um sistema construtivo que se vale de materiais locais, como argila, madeira e cascalho, em um processo artesanal entrelaçado por saberes indígenas, afrodiaspóricos e europeus e amplamente utilizado no período colonial brasileiro.
A instalação sonora foi concebida na forma de um concerto eletrônico multidimensional. Suas esculturas, protagonizadas pela cerâmica esmaltada e pelo papel machê, assumem morfologias híbridas e oníricas, evocando fusões entre humano, vegetal e animal. O som, elemento central da obra, é orquestrado pelo artista a partir da manipulação do canto de trinta espécies de pássaros, ampliando as possibilidades de diálogo entre ferramentas tecnológicas digitais e fenômenos naturais. As ondas sonoras acentuam a tridimensionalidade da instalação e convidam o observador a uma experiência imersiva enquanto transita entre figuras dispostas ao redor de um ninho circular de terra.
The Nest of the Eternal Present também evoca o poema persa “A conferência dos pássaros”, no qual aves atravessam vales místicos em busca de autoconhecimento coletivo, ao mesmo tempo que dialoga com a descoberta de ninhos fossilizados de titanossauros em Minas Gerais, estabelecendo uma continuidade simbólica entre passado pré-histórico, espiritualidade e um futuro ecológico em que humanos, animais e paisagens compartilham um destino interligado.
A instalação enfatiza a relevância da disposição espacial dos elementos escultóricos e suas inter-relações, evocando tanto a agremiação de formas megalíticas quanto a reunião de indivíduos em congregação espiritual. Ao ativar a potência contida no ato de congregar, Ciacciofera propõe a construção da moradia – e, no caso desta instalação, do ninho – como um exercício essencial de humanidade.