Marlene Almeida é uma artista cuja obra se constrói na interseção entre matéria e território. Nascida em Bananeiras, no Brejo paraibano, e formada em filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, sua trajetória artística se estende por mais de cinquenta anos, impulsionada pela observação atenta das paisagens da Paraíba e de outras regiões. Seu trabalho combina arte, ciência e filosofia, desafiando os limites convencionais da prática artística e propondo uma reflexão sobre os ciclos da natureza e os vestígios do tempo.
Para a 36ª Bienal de São Paulo, Marlene apresenta Terra viva (2025), uma instalação que sintetiza décadas de pesquisa e criação. Dividida em duas vertentes complementares, a obra articula o rigor técnico e a potência poética. A dimensão técnica se manifesta em um espaço de estudos que exibe amostras de solos brasileiros, resinas vegetais, minerais, equipamentos laboratoriais e cadernos de campo. Já a poética se traduz em uma instalação composta de pinturas expandidas em têmpera fosca, aplicadas sobre faixas de algodão cru. Essas superfícies, penduradas no teto e prolongadas até as paredes, evocam as trilhas percorridas pela artista ao longo de suas investigações, incorporando rochas naturais que dialogam com as camadas cromáticas utilizadas.
A obra dá continuidade a trabalhos anteriores, como Terra-Devir (2024) e Vermelho como terra (2024), que reafirmam sua pesquisa sobre os processos de sedimentação, apagamento e permanência. Na instalação, Marlene trabalha com uma paleta que vai do branco do caulim puro aos tons profundos da hematita e da pirolusita, compondo uma cartela cromática que revela as variações geológicas do Brasil. O jogo de sombras projetado pelas faixas de tecido e pela iluminação reforça a passagem do tempo, funcionando como um marcador visual que remete aos relógios de sol.
Para além de seu caráter estético e experimental, Terra viva carrega um pensamento político e ecológico. O trabalho questiona as noções de propriedade e extração, problematizando a relação entre território e exploração. A artista não apenas recolhe e transforma materiais naturais, mas propõe um diálogo no qual a terra não é um objeto inerte, e sim um organismo vivo, dotado de agência. Seu uso de pigmentos naturais e técnicas de baixo impacto ambiental reafirma um compromisso com a sustentabilidade e com modos de criação que respeitam os ciclos da natureza.
Marlene Almeida desafia as fronteiras entre arte e ciência, técnica e intuição, tradição e experimentação. Sua obra não apenas representa a terra, mas a escuta e a traduz, transformando sua materialidade em narrativa. Terra viva se inscreve como um testemunho daquilo que a terra guarda, revela e resiste a esquecer – um arquivo sensível no qual a passagem do tempo se faz visível, e onde a paisagem, em sua infinita transmutação, continua a contar suas histórias.