Dizer o indizível, dar um testemunho e contemplar a verdade estão no centro da trajetória de quarenta anos de María Magdalena Campos-Pons como artista multidisciplinar. Sua prática abrange uma variedade de mídias interligadas, desde instalações, performances e trabalhos fotográficos até pinturas, esculturas e vídeos que abordam questões raciais, históricas, sociopolíticas, de memória, gênero, religião e espiritualidade. Grande parte de seu trabalho é criada a partir de uma narrativa autobiográfica baseada em suas histórias familiares e sua origem como artista cubana descendente de imigrantes hispânicos, chineses e de escravizados nigerianos trazidos para a ilha no século 19. Campos-Pons utiliza sua intersecionalidade como fonte de poder e posição para representar em seu trabalho distintas narrativas, experiências e realidades. Sua identidade e obra artística situam-se em um espaço intangível e intermediário que a artista visualiza através do corpo como sujeito e gesto. O corpo na obra de Campos-Pons é frequentemente encenado, fragmentado, acumulado ou performado para canalizar uma memória coletiva e individual da existência e da resistência.
Em muitas peças, o uso do autorretrato por Campos-Pons transmite o conhecimento espiritual, interno, por ela incorporado das raízes de sua família e da ancestralidade das práticas da santeria. Desenvolvida na Cuba do século 19, a santeria, também conhecida como Regla de Ocha ou lucumí, é uma religião sincrética derivada da religião tradicional da África Ocidental, iorubá, e do catolicismo. No ensaio da curadora e estudiosa Carmen Hermo, “María Magdalena Campos-Pons: Behold”, ela observa como Campos-Pons explora “a ênfase da santeria no conhecimento incorporado em práticas como procissões rituais, fitoterapia, canções e cantos, e na crença fundamental do iorubá de que a existência abrange dois reinos: o físico e tangível e o espiritual”. A ênfase no conhecimento incorporado é essencial para a prática de Campos-Pons, na qual ela aborda o legado histórico do colonialismo, o tráfico transatlântico de escravizados, o sofrimento humano e a culpa do sobrevivente, recorrendo à memória coletiva e individual como método de cura e purificação espiritual. O uso das memórias como linguagem artística honra as pessoas, os lugares e os atos de resistência das Américas.
Frequentemente, símbolos recorrentes, como olhos, borboletas e romãs, junto com representações de água, fauna, árvores e plantas, funcionam como metáforas e temas ligados à espiritualidade da cura, mas também, de forma simples, como lembrança, resistência, confiança e beleza. Por meio de seu trabalho, Campos-Pons proporciona aos espectadores uma conexão emocional para a contemplação, a força otimista, o poder de sobrevivência e o acesso a uma energia que normalmente não é acolhida pela nossa sociedade contemporânea. Campos-Pons é uma artista que canaliza a energia do corpo negro, das experiências e das realidades como uma forma de comunicação visual, com informações do passado e do presente, mas, acima de tudo, como uma homenagem aos tempos futuros e às possibilidades da existência humana.