Há mais de duas décadas, Mansour Ciss Kanakassy, artista senegalês que vive em Berlim, vem desenvolvendo um conceito artístico e intelectual chamado Laboratoire de Déberlinisation [Laboratório de Desberlinização] para questionar e transcender os limites mentais impostos ao continente africano e a seus povos durante a conferência de Berlim de 1884-1885. Com ênfase posta na necessidade de repensar identidade, migração e diversidade cultural, o Laboratório de Desberlinização tem, de forma continuada, defendido e facilitado diálogos e trocas entre diversas comunidades ao redor do globo.
Como resposta à proposta curatorial desta edição da Bienal de São Paulo, Mansour Ciss Kanakassy propôs uma obra multiformato intitulada Gondwana la fabrique du futur [Gondwana, a fábrica do futuro] (2025). O projeto toma seu nome do supercontinente Gondwana – às vezes referido como Gonduanalândia. Seguindo o exemplo do quilombismo, conceito filosófico desenvolvido por Abdias Nascimento, Gondwana la fabrique du futur é concebida como um lugar independente e emancipatório do discurso e da resistência, que fortalece os laços entre o continente africano e suas diásporas ao mesmo tempo que aborda fundamentalmente as suas condições sociais. Concebida como uma intervenção espacial, a instalação consiste em grandes telas produzidas em técnica mista e desenho, retratando cartografias diversas, e uma infraestrutura bancária – o Quilombo Bank [Banco Quilombo] –, que nos remete à longeva prática de Kanakassy de criar sucursais monetárias nas diversas geografias onde é possível encontrar o Laboratório de Desberlinização. Produzidas para a ocasião da Bienal, cédulas especiais – conhecidas como Afro-Quilombo, com design que homenageia resistentes quilombolas – são postas em circulação, e os visitantes podem adquiri-las no Quilombo Bank em troca de reais ou dólares estadunidenses. Para além do seu simbolismo, esse gesto é político, pois alude a uma moeda futurista, independente e livre dos mercados globais de câmbio internacional, normalmente determinados por especulações de demanda e oferta e regulados por fatores econômicos como inflação, taxas de juros e eventos geopolíticos. Ele permite a livre circulação de moedas, ao menos ao longo da Bienal.
Na sua abordagem central, Gondwana la fabrique du futur se situa contra estruturas hegemônicas estabelecidas, como as dos Estados-nação, e seus mecanismos viciados, como os regimes de visto e fronteira, provendo assim um espaço no qual a liberdade pode ser praticada.