TRANSCLANDESTINA 3020 (2025) resulta de um acúmulo de histórias e processos que evocam múltiplas linguagens, nas quais Manauara Clandestina vem desenvolvendo sua pesquisa nos últimos anos. Têxteis, vídeo, fotografia e performance compõem esse trabalho multilinguagem, marcado por anseios proféticos originados em sua formação neopentecostal, recusando, porém, o fatalismo apocalíptico. Para Manauara, germinar novos caminhos é a única saída viável diante de um presente permeado pela violência. Sua prática transcende essa condição, abrindo espaço a possibilidades que insistem em existir. Embora presentes ao longo da história humana, ancestralidades travestis raramente encontram destaque nas tecnologias habituais da memória, tradicionalmente centradas em trajetórias cisheteronormativas. Reconhecendo-se parte de um passado por vir, Manauara projeta o futuro como plataforma de enunciação, no qual, mesmo sob constante perseguição, rotas de fuga e alianças inesperadas seguem determinando possibilidades de existência.
O desejo de fuga nasce justamente da imaginação que permite visualizar outras realidades possíveis. O trabalho já está em marcha; sua presença na 36ª Bienal de São Paulo convoca-nos a acolher as muitas Ícas que já existem e as que ainda estão por vir. Como as rainhas formigas e as vespas-do-figo, que abdicam das asas para garantir a continuidade da vida, também somos instigados a repensar o desejo de voo, metáfora persistente do progresso. Voar não é imperativo quando os pés tocam com firmeza o chão. Mesmo sem asas, o voo persiste como gesto de seguir adiante.
Desde que chegou a São Paulo – desprovida de privilégios para facilitar sua transição –, Manauara sempre acionou sua criatividade para construir rotas capazes de levá-la além da realidade imposta como impossível. Sua migração revelou-se potência, abrindo-lhe portas para novos mundos e expandindo sua prática e comunicação. Oferecendo uma miração mil anos à frente, sua viagem interior afirma que o futuro não precisa ser idílico, mas deve assentar-se em solidariedade e compartilhamento. A nova obra de Clandestina, TRANSCLANDESTINA 3020, comissionada para a 36ª Bienal, é um projeto multidisciplinar. Ela se baseia na colaboração de um grupo diverso de profissionais das áreas da moda, da música e do cinema. Juntos, criaram uma nova linha de roupas a partir da transformação e reutilização de uniformes de trabalho, um desfile de moda e uma instalação escultórica com as peças, culminando na realização de um filme que documenta todo o processo criativo do grupo. Seus colaboradores e protagonistas surgem como arquétipos evocando a colaboração como tecnologia fundamental para ultrapassar a temporalidade linear e tornar todas as transições possíveis.