Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, “Spacemaking and Shapeshifting in Mme Zo’s Weaving Practice”, em Madame Zo. Bientôt je vous tisse tous. Paris: Fondation H, 2024.
Conhecida como Madame Zo, seu nome artístico, Zoarinivo Razakaratrimo (1956-2020) foi uma figura importante na cena artística malgaxe, famosa por suas obras que constantemente borravam os limites entre arte e artesanato. Formada em tecelagem e tingimento têxtil, Madame Zo se inspirava em técnicas e padrões tradicionais malgaxes, produzindo obras abstratas únicas e características, carregadas politicamente devido à sua capacidade de elaborar questões sobre temas ambientais e sociopolíticos em Madagascar. Em um esforço consciente para repensar os limites das práticas de tecelagem convencionais, Madame Zo integrou objetos atípicos e inesperados aos seus tecidos, complementando os materiais usados tradicionalmente, como algodão e seda. Com frequência oriundos do cotidiano, esses recursos, para além de sua estética ou mera funcionalidade, forneciam informações sobre o processo criativo da artista e seu profundo engajamento com seu meio e as pessoas que o constituíam.
No contexto da 36ª Bienal de São Paulo, uma seleção de suas obras proporciona um vislumbre em profundidade da prática de Madame Zo, que se estendeu por quase cinco décadas. Tecidas com fios de cobre, ervas, madeira, plástico, pedaços de comida e fitas magnéticas, só para mencionar alguns exemplos, as escolhas e o uso de cada material por Madame Zo chamam nossa atenção para algumas das urgências específicas que ela buscou abordar. O cobre, que aparece de modo predominante em seus trabalhos, poderia ser lido como uma referência às tecnologias de comunicação, mas também à cura, devido à sua capacidade de conduzir energias – o que Bonaventure Soh Bejeng Ndikung chamou de os aspectos “técnico-espirituais” do cobre em um texto escrito sobre as obras de Madame Zo.1 Além disso, materiais como ervas ou papel, sobretudo na forma de recortes de jornal, referem-se ao seu engajamento com práticas terapêuticas alternativas e a disseminação de informações, respectivamente.
No que poderia ser lido como uma retrospectiva, a constelação de obras apresentada no Pavilhão Ciccillo Matarazzo alude, antes de tudo, a uma retrospecção – uma recontextualização de cada obra, particularmente na medida em que elas dizem respeito ao tema da Bienal deste ano e convidam a conjugar a humanidade em suas múltiplas manifestações.