É preciso criatividade para cozinhar, trabalhar, namorar, viver. Lidia Lisbôa nasceu na Vila Guarani, uma comunidade no interior do estado do Paraná, próxima à cidade de Terra Roxa, e desde então se reinventa. Também é preciso ser criativo para fazer nascer. Sua pesquisa artística frequentemente se desdobra em uma reconstrução sensível da memória e de um corpo anterior ao momento presente, explorando múltiplos suportes, como escultura, desenho, instalação e performance, em um entendimento ampliado do que é a costura.
O nascimento e a transformação são temas recorrentes em seus trabalhos, cujos títulos caminham por palavras como “útero” e “casulo”. Na série Tetas que deram de mamar ao mundo (2015-2025), Lisbôa homenageia, com gigantescos monumentos à maternidade em si, as mulheres que amamentam. Peitos fartos, de diferentes cores, nos quais a humanidade se reencontra. São volumosas peças em crochê que estabelecem um território de acolhimento ativo, de onde a vida continua a jorrar: forte, quente e outra. As Tetas que deram de mamar ao mundo são, enfim, também corpos múltiplos e estranhos que excedem a si mesmos. Membros indissociáveis do mundo.
Os retalhos emergem e mergulham novamente em uma rede de nós próximos, feitos para serem vistos. O remendo aqui é destaque. Mais do que isso, tal como a mãe doa o leite ao bebê e assim partilha com ele a vida em sua essência, o remendo aqui é motivo e origem de todo o trabalho.
Impossível saber onde termina um tecido e começam os outros, mas existem diferenças entre eles. As faixas coloridas em tons de pele – amarelo-ovo, laranja e marrom cor de barro, prata, vermelho-sangue, rosa cor de carne – sustentam suas diferenças, amarram-se. Sustentam e formam o peito pelo qual escorre em direção à terra um fio de si, que chega a tocar o chão, e outros quatro, que permanecem suspensos.
A naturalidade com que a artista expande o tecido da matéria evidencia, em seu gesto, a dimensão de uma experiência cotidiana que ela articula de maneira singular. Ao tecer histórias em vez de narrá-las linearmente, Lisbôa reverbera anseios, medos e desejos comuns, muitas vezes ocultos ou escamoteados pela sociedade. Assim, faz da costura uma escolha – uma estratégia de sobrevivência, de recuperação de si mesma e de construção de memórias. Seja nas instalações, em cerâmicas ou nos desenhos, as obras de Lisbôa insistentemente prolongam seu próprio corpo político, sensual e artístico, constituindo uma presença que se dissemina e ocupa, sem reservas, o espaço ao seu redor.