entrada gratuita
6 set 2025–11 jan 2026
Newsletter
Newsletter

Lidia Lisbôa

Lidia Lisbôa

Luiza Marcolino

 

É preciso criatividade para cozinhar, trabalhar, namorar, viver. Lidia Lisbôa nasceu na Vila Guarani, uma comunidade no interior do estado do Paraná, próxima à cidade de Terra Roxa, e desde então se reinventa. Também é preciso ser criativo para fazer nascer. Sua pesquisa artística frequentemente se desdobra em uma reconstrução sensível da memória e de um corpo anterior ao momento presente, explorando múltiplos suportes, como escultura, desenho, instalação e performance, em um entendimento ampliado do que é a costura.

O nascimento e a transformação são temas recorrentes em seus trabalhos, cujos títulos caminham por palavras como “útero” e “casulo”. Na série Tetas que deram de mamar ao mundo (2015-2025), Lisbôa homenageia, com gigantescos monumentos à maternidade em si, as mulheres que amamentam. Peitos fartos, de diferentes cores, nos quais a humanidade se reencontra. São volumosas peças em crochê que estabelecem um território de acolhimento ativo, de onde a vida continua a jorrar: forte, quente e outra. As Tetas que deram de mamar ao mundo são, enfim, também corpos múltiplos e estranhos que excedem a si mesmos. Membros indissociáveis do mundo.

Os retalhos emergem e mergulham novamente em uma rede de nós próximos, feitos para serem vistos. O remendo aqui é destaque. Mais do que isso, tal como a mãe doa o leite ao bebê e assim partilha com ele a vida em sua essência, o remendo aqui é motivo e origem de todo o trabalho.

Impossível saber onde termina um tecido e começam os outros, mas existem diferenças entre eles. As faixas coloridas em tons de pele – amarelo-ovo, laranja e marrom cor de barro, prata, vermelho-sangue, rosa cor de carne – sustentam suas diferenças, amarram-se. Sustentam e formam o peito pelo qual escorre em direção à terra um fio de si, que chega a tocar o chão, e outros quatro, que permanecem suspensos.

A naturalidade com que a artista expande o tecido da matéria evidencia, em seu gesto, a dimensão de uma experiência cotidiana que ela articula de maneira singular. Ao tecer histórias em vez de narrá-las linearmente, Lisbôa reverbera anseios, medos e desejos comuns, muitas vezes ocultos ou escamoteados pela sociedade. Assim, faz da costura uma escolha – uma estratégia de sobrevivência, de recuperação de si mesma e de construção de memórias. Seja nas instalações, em cerâmicas ou nos desenhos, as obras de Lisbôa insistentemente prolongam seu próprio corpo político, sensual e artístico, constituindo uma presença que se dissemina e ocupa, sem reservas, o espaço ao seu redor.

Luiza Marcolino

Lidia Lisbôa (Terra Roxa, 1970. Vive em São Paulo), em sua prática, abrange escultura, crochê, performances e desenhos. Sua pesquisa trata de biografias, paisagem, corpo e memória por meio de materiais que registram seu gesto. Sua exposição individual mais recente ocorreu no Museu de Arte do Rio (Rio de Janeiro, 2024). Participou de mostras coletivas no Museo Madre (Nápoles), Palais des Nations (Genebra) e, em São Paulo, no Museu AfroBrasil, Instituto Tomie Ohtake e Museu de Arte Moderna. Também integrou a 13ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre). Suas obras fazem parte das coleções do Institute for Studies on Latin American Art e do Museo del Barrio (Nova York,), da Pinacoteca de São Paulo e do Sesc São Paulo.

Conteúdos relacionados