Dentro do continente africano e de sua diáspora, é uma prática comum honrar os ancestrais quando as pessoas se reúnem. Esse gesto, que pode tomar a forma de uma oferenda, como partir e compartilhar uma noz-de-cola ou derramar uma bebida alcoólica no chão em forma de libação, muitas vezes ambos, reforça um parentesco e um legado que transcendem fronteiras geográficas e identidades nacionais. Essa invocação serve tanto para reconhecer os descendentes quanto para louvar e expressar gratidão.
No âmbito da 36ª Bienal de São Paulo, Leo Asemota, natural do Reino do Benim, no Estado de Edo, Nigéria, e atualmente radicado em Londres, apresenta uma obra que se inspira nessa prática de libação. A obra sem título, derivada do Kissi penny [centavo de Kissi], consiste em peças fundidas em liga de cobre e estanho, cada uma propositalmente trabalhada para ser única.
O Kissi penny foi, nos séculos 19 e 20, uma moeda de circulação ampla entre os povos Kissi, Loma e Bandi, que viviam nas regiões fronteiriças da atual Libéria, Serra Leoa e Guiné. Acredita-se que essa moeda possuía alma: era feita de uma haste de ferro torcida e alongada, com uma extremidade em forma de orelha (nling) e outra em forma de pé (kodo). Mesmo após ser desvalorizada pelos franceses e britânicos no final do século 20, nas respectivas colônias africanas, o penny manteve seu valor cerimonial e espiritual em muitas sociedades indígenas.
Como descreve Asemota, e seguindo o costume das libações, a essência está no ato de proferir a(s) palavra(s) que acompanha(m) cada oferenda — neste caso, um Kissi penny oferecido a cada artista vivo participante da Bienal —, e não apenas na estética ou na forma das obras (de arte).