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6 set 2025–11 jan 2026
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Kenzi Shiokava

Kenzi Shiokava

Leonardo Matsuhei

 

Kenzi Shiokava (1938-2021): um nome que, em sua própria grafia, carrega os traços de uma história de diáspora e confluência cultural. A transliteração incomum da sonoridade japonesa para o alfabeto latino, recorrente entre integrantes das primeiras ondas migratórias nipônicas, confere à sua assinatura um sotaque singularmente brasileiro. A essa conexão transcontinental somam-se ainda os Estados Unidos, país que o artista paulista, descendente de imigrantes da província de Kagoshima, escolheu para viver e desenvolver sua trajetória profissional e artística, de 1964 até seu falecimento.

Em Los Angeles, Kenzi Shiokava se estabeleceu e formou–se academicamente no Chouinard Art Institute (atual California Institute of the Arts) e no Otis Art Institute. Nesse contexto, conviveu com artistas como John Outterbridge e Noah Purifoy, com quem partilhou não apenas o interesse pela linguagem da assemblage, já então uma tendência expressiva na cena artística local, mas também uma sensibilidade sobre as identidades racializadas não brancas e uma reflexão mais ampla sobre modos de criação atravessados por experiências interculturais.

Como reflexo dessa vivência multifacetada, toma-se como exemplo as formas totêmicas que o artista produziu por grande parte de sua carreira. Esculpidas majoritariamente em troncos ou postes de madeira e eventualmente combinadas com palha, folhas secas, conchas e fios em macramê, essas peças parecem evocar espíritos de tempos remotos. Seguindo princípios estéticos ligados ao pensamento zen-budista de Daisetsu Suzuki, as esculturas de Shiokava se colocam no espaço sem apelar à grandiloquência ou à ornamentação. Suas obras revelam uma prática silenciosa, alimentada por décadas de experiência profissional no ramo da jardinagem que o aproximou do ikebana – arte floral japonesa que valoriza o gesto mínimo e a revelação da beleza natural. Cada corte, pigmentação ou combinação de elementos é realizado com economia e precisão, respeitando profundamente as marcas da passagem do tempo impressas na superfície da matéria e sublinhando sua história e força inerente.

Para além da influência zen, Shiokava incorpora visões animistas oriundas de distintas tradições espirituais. A cultura kachina dos povos Hopi – que reconhece uma força vital presente em todos os elementos da natureza – dialoga diretamente com o xintoísmo japonês, segundo o qual os kami habitam rios, pedras e árvores. A dimensão espiritual é o grande fio condutor que atravessa a obra do artista. Ao reunir essas matrizes numa síntese não hierárquica, Shiokava inscreve sua produção numa zona de coexistência simbólica entre múltiplas cosmologias.

Leonardo Matsuhei

Kenzi Shiokava (São Paulo, 1938–Los Angeles, 2021) desenvolveu, ao longo de cinco décadas de carreira, uma prática singular, criando totens de madeira em grande escala e assemblages a partir de resíduos de seu trabalho de jardinagem. Suas esculturas evocam as tradições da talha em madeira japonesa, dialogando com a iconografia católica e as simbologias do candomblé. Sua obra explora as relações entre espiritualidade e materialidade, conferindo novas narrativas a materiais cotidianos. Realizou exposições individuais na Otis College of Art and Design, no Watts Tower Art Center e na Chouinard Gallery, em Los Angeles, e participou da bienal do Hammer Museum em 2016, consolidando sua presença na cena artística dos EUA.

Esta participação tem apoio do National Center for Art Research.