Kenzi Shiokava (1938-2021): um nome que, em sua própria grafia, carrega os traços de uma história de diáspora e confluência cultural. A transliteração incomum da sonoridade japonesa para o alfabeto latino, recorrente entre integrantes das primeiras ondas migratórias nipônicas, confere à sua assinatura um sotaque singularmente brasileiro. A essa conexão transcontinental somam-se ainda os Estados Unidos, país que o artista paulista, descendente de imigrantes da província de Kagoshima, escolheu para viver e desenvolver sua trajetória profissional e artística, de 1964 até seu falecimento.
Em Los Angeles, Kenzi Shiokava se estabeleceu e formou–se academicamente no Chouinard Art Institute (atual California Institute of the Arts) e no Otis Art Institute. Nesse contexto, conviveu com artistas como John Outterbridge e Noah Purifoy, com quem partilhou não apenas o interesse pela linguagem da assemblage, já então uma tendência expressiva na cena artística local, mas também uma sensibilidade sobre as identidades racializadas não brancas e uma reflexão mais ampla sobre modos de criação atravessados por experiências interculturais.
Como reflexo dessa vivência multifacetada, toma-se como exemplo as formas totêmicas que o artista produziu por grande parte de sua carreira. Esculpidas majoritariamente em troncos ou postes de madeira e eventualmente combinadas com palha, folhas secas, conchas e fios em macramê, essas peças parecem evocar espíritos de tempos remotos. Seguindo princípios estéticos ligados ao pensamento zen-budista de Daisetsu Suzuki, as esculturas de Shiokava se colocam no espaço sem apelar à grandiloquência ou à ornamentação. Suas obras revelam uma prática silenciosa, alimentada por décadas de experiência profissional no ramo da jardinagem que o aproximou do ikebana – arte floral japonesa que valoriza o gesto mínimo e a revelação da beleza natural. Cada corte, pigmentação ou combinação de elementos é realizado com economia e precisão, respeitando profundamente as marcas da passagem do tempo impressas na superfície da matéria e sublinhando sua história e força inerente.
Para além da influência zen, Shiokava incorpora visões animistas oriundas de distintas tradições espirituais. A cultura kachina dos povos Hopi – que reconhece uma força vital presente em todos os elementos da natureza – dialoga diretamente com o xintoísmo japonês, segundo o qual os kami habitam rios, pedras e árvores. A dimensão espiritual é o grande fio condutor que atravessa a obra do artista. Ao reunir essas matrizes numa síntese não hierárquica, Shiokava inscreve sua produção numa zona de coexistência simbólica entre múltiplas cosmologias.