Kader Attia é um artista multidisciplinar franco-argelino cuja abordagem investigativa tem sido fundamental para as estratégias decoloniais, como um contraponto à história colonial e aos museus. Seus interesses e temas encontraram um ponto de virada quando passou a se dedicar à criação de ferramentas de reparo e cuidado, seja em relação a objetos, corpos, representações ou memórias.
La Valise oubliée [A mala esquecida] (2024) entrelaça histórias individuais e coletivas da guerra da Argélia (1954-1962), conflito que matou centenas de milhares de argelinos. Nessa recente obra em vídeo, Attia utiliza a mala como metáfora dinâmica tanto do passado revelado quanto do futuro por editar, brincando com as potencialidades de uma narrativa inacabada. O artista abre três malas, três histórias pessoais que tecem os fios de nossa história coletiva: do artista francês e simpatizante da causa argelina Jean-Jacques Lebel, da pensadora feminista decolonial Françoise Vergès e da própria mãe de Attia. Os objetos retirados das malas evocam memórias intensas, por vezes traumáticas: de uma carta secreta de um membro da Frente de Libertação Nacional argelina (entregue a Lebel) até um álbum de fotos pertencente ao polêmico advogado Jacques Vergès (tio de Françoise), que defendeu militantes argelinos durante a guerra, passando por fotografias da mãe do artista. Ao justapor diferentes níveis narrativos, Attia conta tanto a história de sua família quanto a dos incontáveis homens e mulheres anônimos que resistiram e se organizaram nas sombras contra o colonialismo.
Como é frequente na obra de Attia, a tomada de consciência sobre a imensidão da destruição colonial (seja ecológica, arquitetônica, econômica) vem acompanhada da experiência traumática de contar, reencenar e arquivar os mortos e as feridas. Daí emerge uma memória fantasmagórica habilmente encenada em suas instalações e vídeos, como exercícios de exorcismo.
Criado entre a França e a Argélia, Kader Attia utiliza sua própria experiência transcultural (incluindo a condição neocolonial da classe trabalhadora suburbana) como pesquisa introspectiva que se transforma em ferramenta contra estruturas de poder neocoloniais. Desde The Repair of Occident to Extra-Occidental Cultures [O reparo do Ocidente pelas culturas extra-ocidentais] (dOCUMENTA (13), Kassel, 2012) até a recente Un descenso al paraíso [Descida ao paraíso] (Muac, Cidade do México, 2025), a arte do reparo de Attia caminha na linha tênue entre desmembrar e rememorar.