A pesquisa de Juliana dos Santos é movida por sua curiosidade sobre a inter-relação entre a cor azul da flor Clitoria ternatea e a experiência negra e afrodiaspórica no Brasil. Seu trabalho é impulsionado pelo desejo de desafiar as tradições eurocêntricas limitantes sobre percepção e representação, por meio da exploração de expansões sensoriais. O azul surgiu para a artista durante uma meditação em um templo budista, onde viu o chakra ajña, conhecido como “terceiro olho”. Essa visão, entretanto, não aconteceu de forma retiniana, mas sinestésica, enfatizando a possibilidade de visualização de algo que não passa pelos olhos, mas que se estabelece a partir de uma experiência sensível.
O azul, usualmente associado a estados de elevação, beleza e intangibilidade em determinados contextos culturais, está presente nos trabalhos da artista a partir de complexas etapas de processamento da flor Clitoria ternatea, cultivada por uma família de São Félix, no Recôncavo Baiano, com quem colabora há anos: Nilton Cesar dos Santos e Edilene Costa de Jesus dos Santos. Esses processos se colocam análogos às tradições de tintura com índigo e tingimento de têxteis no continente africano, ou mesmo à história do blues: a manifestação musical de experiências negras no contexto estadunidense. Assim como a imaterialidade e a impermanência são fundamentais para Dos Santos, a blue note é central para o blues: é uma nota dissonante, considerada desafinada ao desafiar a rigidez da escala pentatônica, propositalmente utilizada para amplificar a emoção e a expressividade da música.
Dos Santos experimenta a manifestação de linguagem aquosa ao soprar grânulos das flores torradas e moídas sobre um plano úmido que as absorve, papel ou tela. Embora guarde a gestualidade da artista, essa topografia azul é formada também pela agência da própria flor pulverizada e dos ventos que a distribuem pela tela, agregando múltiplas ações aos resultados artísticos. Dessa forma, a flor não desempenha apenas potencialidade de cor a serviço das vontades plásticas da artista, uma autonomia pictórica. Dos Santos não extrai um pigmento da flor, mas processa a flor inteira em pó, fazendo com que a obra seja mais uma impressão botânica que questiona definições categóricas do que uma pintura.
Para a 36ª Bienal de São Paulo, planos complexos em tons de azul envolvem o espectador, criando uma atmosfera imersiva. Essa experiência se assemelha à visão sinestésica da cor azul que a artista tem durante a meditação. Ela colabora, nessa obra, com sua mãe, Eliana de Oliveira, que há anos desenvolve complexos trabalhos de patchwork na construção de padronagens têxteis. A união de diversos tecidos obedece a interesses que sua mãe tem pela matemática aplicada, pautando ritmos e composições próximos a lógicas euclidianas que contrastam com as geometrias botânicas propostas por Dos Santos. Esse diálogo enfatiza f luxos de transmissão de conhecimento, revisões hierárquicas e práticas transdisciplinares.