Joar Nango é um artista e arquiteto do povo Sami – indígenas que habitam o território hoje dividido entre Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. O modo de pensar a construção de espaços, evidenciado em suas obras, revela um conhecimento enraizado em práticas entrelaçadas com a vida cotidiana, em oposição ao saber técnico e formal. A arquitetura proposta por Nango provém de uma relação prolongada com os ambientes e de sabedorias impregnadas no modo de vida Sami.
Pautadas pela apropriação e pela hibridização, as estruturas efêmeras e nômades dos povos Sami fazem uso de materiais e técnicas tradicionais, como peles de animais, tecidos e madeira natural, assim como de elementos industriais e sucata, adaptados às necessidades de cada contexto. O uso dessas soluções arquitetônicas na obra de Nango revela uma tradição viva, semelhante a um curso d’água em movimento: molda-se às variações do terreno, mistura-se a outros corpos d’água, mas mantém um fluxo contínuo.
Denominada pelo artista a partir do conceito de engenhosidade indígena – indigenuity, que funde Indigenous [indígena] e ingenuity [engenhosidade] –, essa inteligência arquitetônica desmantela dicotomias entre progresso tecnológico e conhecimento ancestral, ao mesmo tempo que reivindica a criatividade prática e o saber tradicional como formas legítimas e sofisticadas de construção do mundo.
Para a 36ª Bienal de São Paulo, Nango apresenta um desdobramento do projeto Girjegumpi, desenvolvido há quase dez anos. Trata-se de uma biblioteca de arquitetura Sami, um espaço nômade de convívio e colaboração que reúne publicações sobre arte, arquitetura, design, ativismo, teorias descoloniais e saberes Sami. Incorporando elementos do contexto local, a obra agrega conhecimentos, bibliograf ia e técnicas construtivas de povos indígenas, quilombolas e do manguebeat, além de materiais coletados nos arredores do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. O espaço, de caráter permeável, tátil e voltado à convivialidade, é composto de estantes que abrigam livros sobre direitos territoriais, tempo animal e saberes ancestrais, construídas com materiais em diálogo direto com os conteúdos que sustentam.
Ao articular tradição e contemporaneidade, o artista contesta os paradigmas da arquitetura formal e industrial, propondo, em seu lugar, uma lógica de adaptação, reaproveitamento e apropriação como ferramenta política. Sua obra subverte os rejeitos e a lógica de consumo ocidental em engenhosas soluções, por meio de uma estratégia de resistência que lança mão da incorporação e readequação dos materiais, símbolos e signos das culturas dominantes.