A prática artística de Hessie (1933-2017) redefiniu as fronteiras entre o bordado e a colagem. Ela trabalhou principalmente com materiais muito simples, como tecidos de algodão ou embalagens de diversos tipos. Notoriamente minimalistas e abstratos, eles eram transformados pela artista em composições geométricas surpreendentes, vívidas e animadas, apresentando uma linguagem poética única desenvolvida ao longo do tempo.
Com um amplo corpo de obras dividido em diversas séries, como Boutons [Botões] (1974-1975), Trous [Buracos] (1973), Végétations [Vegetações] (déc. 1970) e Déchets collages [Colagens de detritos] (1976), só para mencionar algumas, a habilidade de Hessie para transformar técnicas domésticas em uma expressão artística poderosa a tornou uma figura feminista pioneira, que desafiou a ideia de que atividades atribuídas às mulheres, como costura ou bordado, eram simplórias ou ultrapassadas. Artista autodidata, ela se inspirava na vida cotidiana e em seus materiais, como botões, pedaços de papel, fios ou objetos encontrados, desafiando noções e definições convencionais de arte e artesanato. Em certos casos, as fronteiras entre arte e ciência eram borradas. Na série Végétations, por exemplo, cujo título é uma referência clara e direta a plantas, a obra da artista aparece cheia de vida por meio da repetição de linhas vermelhas ou brancas, evocações da observação microscópica das células, que, conforme definido por biólogos humanos, são o menor denominador comum da vida, responsáveis por todos os aspectos funcionais de um organismo.
Além da harmonia ou da beleza formal de suas obras têxteis, os trabalhos de Hessie também sublinham o potencial profundo dos tecidos como meio para o comentário artístico ou social. Devido à sua qualidade tátil, cada peça carrega narrativas pessoais e coletivas, oferecendo uma voz profundamente humana e subversiva que aborda temas sociais como trabalho e gênero por meio de um suporte familiar. Além disso, o processo lento e cuidadoso de coser, costurar e furar se opõe à ideia de produção em massa, demonstrando a abordagem consciente da artista em relação a práticas sustentáveis. A questão do tempo e de sua passagem, assim como suas condições de vida, também deixaram marcas em suas obras, como na forma de traços de ferrugem ou água, devidos às condições precárias de acondicionamento em sua casa – um farol no interior da França, no qual ela passou a maior parte de sua vida adulta.