Gervane de Paula desenvolve sua produção artística com acentuado caráter gráfico em múltiplas plataformas, como pinturas, desenhos, fotografias, instalações e objetos. Sua produção detém potente clamor ecológico, alternando entre tonalidades melancólicas e uma contundente carga denunciatória. Suas cenas de festividade em seu bairro em Cuiabá, por exemplo, complementam a realidade específica do cerrado ao também abordar com veemência os desastres socioambientais promovidos pela agropecuária latifundiária, pela mineração irregrada e pelos seus indissociáveis lastros de violência. O artista se abastece e opera uma estética pautada pelas imagens do consumo de massa e pelo uso de materiais cotidianos no Centro-Oeste do Brasil, além de recorrer a citações assertivas à história da arte. Integrante da Geração 80, De Paula esteve ao lado de artistas como Leonilson, Leda Catunda, Beatriz Milhazes e Luiz Zerbini na defesa de uma pintura vibrante e provocadora, em contraste com o hiperintelectualismo da arte conceitual brasileira dos anos 1970.
Em seus trabalhos, De Paula cria narrativas pseudoficcionais que retratam a hostilidade de latifundiários e defensores do agronegócio desenfreado quando confrontados com os questionamentos críticos da arte. Ao compreenderem os trabalhos do artista como vozes de denúncia política e ambiental que os impediriam de exercer atividades ilícitas, agem com atroz represália no cume de seus privilégios de poder. De Paula, entendendo a arte como armadilha, frequentemente retrata espingardas, artistas mortos, rios de sangue e placas que homenageiam ativistas político-ambientais, persistindo corajosamente nos poderes denunciadores e críticos da figura da pessoa que produz arte.
Além dos crimes ambientais, como os desmatamentos quilométricos, a poluição e a extinção de diversas espécies de fauna e flora, De Paula aborda a criminalidade social causada pelas dinâmicas do agronegócio, do tráfico de drogas na fronteira entre o Mato Grosso e a Bolívia, do racismo estrutural, do autoritarismo policial e da corrupção política. Em alguns momentos, de forma sarcástica, inclusive transpõe certas dinâmicas de poder e hostilidade para as relações vivenciadas no mercado de arte. O artista sempre foi vítima de um isolamento geográfico: por viver em Cuiabá, longe do eixo sudestino onde os hegemônicos agentes mercadológicos e críticos da arte operam, teve sua carreira de mais de quatro décadas por muito tempo invisibilizada e subestimada. Sua produção, entretanto, não esmoreceu, mantendo-se incessante e pungente.