Hans Ulrich Obrist, Interviews, Volume 1. Milão: Charta, 2003, p.572.
“Para mim, a arte só pode ser fundamentada na noção única – da qual ela é tanto a confirmação quanto a prova – de que o Homem é Um”, disse Ernest Mancoba (1904-2002) em uma entrevista a Hans Ulrich Obrist.1 Nascido na África do Sul, Mancoba foi um dos pioneiros da vanguarda da pintura gestual e um dos pais do modernismo africano, reconhecido por suas composições abstratas e seu gestualismo lúdico. O começo de sua carreira foi marcado por uma controvérsia, quando ele foi tanto celebrado quanto escarnecido por sua obra Bantu Madonna [Madona Bantu] (1928), uma escultura da Virgem Maria com fenótipo africano, executada em afrocarpo-austral, madeira tradicional daquele continente. Enfrentando as limitações do apartheid na África do Sul, Mancoba foi para a Europa em 1938. Mas logo se viu preso pelos nazistas em Paris e foi colocado em um campo de prisioneiros alemão. Uma vez solto, dois anos depois, começou a fazer experimentações com pintura.
Em 1940, Mancoba realizou Composition [Composição], na qual seguiu o formalismo europeu e criou, a partir deste, uma representação gestual de uma máscara africana. Essa pintura marcou o início de seu abandono da figuração, levando a décadas de experimentação e inovação com linhas, figuras e formas. Suas telas traziam composições rítmicas e espontâneas, formas expressivas que refletiam sua recusa em se adequar a uma definição de artista africano, particularmente em um período no qual artistas e curadores europeus e sul-africanos nomeavam abertamente os movimentos sul-africanos do meio do século 20 como “primitivismo africano”, a despeito do claro engajamento do movimento com o modernismo.
Buscando constituir uma identidade mais independente, Mancoba se estabeleceu como abstracionista de vanguarda, ligando-se a variados movimentos artísticos ao longo do século 20, embora fosse em geral negligenciado como um de seus líderes. Com frequência o único artista africano nos coletivos de que fez parte, Mancoba estava determinado a estabelecer sua liberdade pessoal e identidade única – não somente como artista africano, mas como artista de vanguarda na Europa. Lutando por um estilo no qual marcas gestuais são dispostas de maneira lúdica sobre telas de linho cruas, Mancoba resistia a figuras e formas identificáveis, buscando em vez disso criar um corpo de obras que refletisse um anseio por “aquilo que vai além de nós e que não compreendemos”, como ele mencionou em uma entrevista de 1995. Suas pinturas, como muitas de suas viagens, refletiam uma relação profundamente ambiciosa com sua própria autodefinição. A arte de Mancoba era a um só tempo universal e profundamente pessoal – era uma declaração da sua própria liberdade intelectual e da sua identidade.