A prática de Ana Raylander Mártis dos Anjos se desenvolve por meio de projetos de pesquisa de longa duração. Na obra de grande escala A casa de Bené (2025), Raylander volta seu questionamento investigativo para si mesma e seu núcleo familiar: “Estes fragmentos são o que sobrou da casa do meu bisavô, todos usados ou feitos por ele: um pedaço de cipó com uma base; um isqueiro em forma de bala; um cesto de bambu; uma cabaça; varas compridas e curtas de pau-mulato; e uma pequena caixa de madeira”.
A partir de um conjunto de objetos remanescentes da casa de pau a pique construída por seu bisavô Benedito Cândido, posteriormente demolida, Raylander constrói uma instalação que busca reconhecer a influência criativa do bisavô em sua formação política e poética. A artista ergue os alicerces da casa de Bené no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, trabalhando com materiais já recorrentes em sua prática – esculturas de colunas totêmicas têxteis, compostas de amarrações de tecidos obtidos de fibras naturais, tricôs de lã, camisas de algodão e tiras de couro –, ao mesmo tempo que incorpora novas técnicas e materiais. Entre esses novos elementos estão cestos de latão, esculturas e os objetos herdados da casa do bisavô, procurando resgatar a memória da família. Entre os itens efêmeros da instalação está um esboço da planta baixa da casa de Bené, desenhado por Efigênia, avó da artista, reforçando o compromisso de Raylander em explorar as possibilidades de reconstrução das histórias pessoais.
Distribuída pelos três andares do Pavilhão e disposta de maneira calculada e orgânica, a obra investiga as estruturas familiares como instituições duradouras, impostas tanto na memória quanto na forma. Sua importância é elevada pelo uso do bronze e pela presença simbólica das colunas, que representam os nove filhos do bisavô de Raylander. Os conjuntos de cestos metálicos remetem ao contexto local: a pequena cidade de Bela Vista de Minas (Minas Gerais), onde a atividade mineradora convive em contraste com práticas tradicionais como a cestaria. Desses cestos emergem esculturas têxteis que serpenteiam pelo espaço, funcionando como um cordão umbilical que conecta toda a instalação. Os sete objetos originais estão dispostos individualmente em alguns dos cestos, enquanto os demais contêm carvão, pedra, terra, minério, tabaco e outros materiais orgânicos que fazem parte da ecologia e da história daquele território e da família de Bela Vista de Minas. A totalidade desses elementos se entrelaça para tecer narrativas sobre história familiar, lugar, nação e pertencimento.