A obra de Adama Delphine Fawundu é movida pela vibração das continuidades. Seu gesto não parte de um ponto fixo, mas de um rastro que insiste em atravessar. Corpo, terra e som não se separam; transitam em reciprocidade. A artista se inscreve nessa corrente, tratando o legado como campo de forças; não como arquivo estático, mas como gramática de trajetórias. Na 36a Bienal de São Paulo, ela apresenta uma instalação imersiva que entrelaça vídeo, ritmo e materiais têxteis, criando um território circular onde o tempo não é fixo, mas se desenrola em espiral dentro de um tecido que pulsa em constante transformação.
Fawundu opera a partir do lukasa e do dikenga, dispositivos simbólicos dos povos Luba e Kongo. O lukasa, sofisticado suporte de memória, não apenas preserva histórias, mas as reativa por meio de suas texturas e relevos. O dikenga, cosmograma bakongo, expressa a ciclicidade da existência, em que matéria e fluxo não seguem a linearidade ocidental, mas se dobram e se desdobram. Como nos lembra Beatriz Nascimento, a permanência dos mundos negros se marca pela invenção de novas territorialidades, lugares onde a experiência é um horizonte em contínua recomposição.
Suas colagens têxteis, meditações sobre passado, presente e futuro, são construídas com materiais manuseados por comunidades no Congo, Brasil, Nigéria e em sua terra ancestral, Serra Leoa. Seu processo criativo se desdobra no engajamento profundo com arquivos que honram inteligências indígenas e histórias de resistência. Ao transitar entre águas e terras, ela recolhe materiais, cada um carregando sua própria história. Vestígios dessa jornada – sachês de água potável, fragmentos de conversa, conchas e ervas medicinais – são tecidos como testemunhos encarnados de troca, transformados em marcas de evocação e atos de fabricação.
Na Bienal, a artista convida o público a adentrar um espaço meditativo, onde se desdobram camadas de narrativas têxteis e registros audiovisuais. Fawundu colabora com comunidades quilombolas e artistas locais para explorar os modos sutis como os sistemas Luba, Kongo e Iorubá persistem na Bahia. Essas retenções ancestrais se expressam através da incorporação gestual em seus trabalhos em vídeo, revelando camadas de memória cultural e continuidade espiritual. Sua participação na Bienal é um chamado para sintonizar ritmos ancestrais e cósmicos: uma coreografia de forças na qual terra, pulso e trajetória vibram em harmonia.